sábado, 15 de janeiro de 2011

Tragédia no Rio

“É lá que está brotando corpo”, dizia a guarda municipal em Teresópolis, apontando para os bairros da Posse e de Campo Grande. Ela tentava, com o apito, controlar o trânsito dos carros numa rua que quase não existe mais. Não havia nervosismo em sua voz. E os carros andavam lentos como numa cidade fantasma. Como o dos quase 670 mil habitantes da região serrana do Rio de Janeiro – e um pouco como o de cada um de nós na semana que passou –, o rosto da guarda era uma máscara de tristeza, os olhos velados por dias e noites de perplexidade desde a tragédia da madrugada da quarta-feira. Em mês de verão e férias escolares, quando muitos correm para as cidades montanhosas de Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis em busca de temperaturas mais amenas e banhos de rio num cenário de montanhas magníficas, tudo virou lama, destruição e desespero. Foi o maior desastre natural do país. A contagem de mortos chegava a 537 até a noite da sexta-feira.

A água que caiu do céu em trombas raivosas produziu um cenário que se assemelha às devastações provocadas por terremotos e furacões. Em frente às janelas das casas que resistiram, o que antes era rua tornou-se rio caudaloso, e por ali, segundo relatos de sobreviventes traumatizados, passaram corpos, bichos, pedras, geladeiras, carros, igualados na vulnerabilidade diante de cachoeiras descendo a 100 quilômetros por hora. Tudo era levado pela correnteza. Na escuridão, ouviam-se gritos. Muitos morreram afogados.

No bairro de Campo Grande, em Teresópolis, a tragédia irrompeu na madrugada da quarta-feira. Richard Davidson, de 25 anos, despertou com gritos de vizinhos. Estava no 2º andar da casa que dividia com a avó. Percebeu que não havia luz e pegou uma lanterna. “De repente, tudo começou a tremer debaixo de meus pés”, diz. “Quando dei por mim, estava debaixo de um monte de entulho e lama.” Márcio Lopes, de 30 anos, acordou com o estrondo e foi até a janela. Viu que o rio estava correndo na rua e gritou para alertar a mulher. Era hora de tentar se salvar. “De repente começaram a descer pedra, madeira e muitas pessoas levadas pela correnteza”, diz Márcio. Richard conseguiu se livrar dos entulhos e ajudou a salvar vizinhos. Márcio salvou a mulher e a mãe. O pai foi levado pelas águas.

Assim que começou a clarear, outro morador, Marco Antônio Siqueira, saiu do bairro da Posse em direção a Campo Grande. “Vi corpos na calçada, presos em galhos de árvores que a enxurrada trouxe, em todos os lugares”, diz. Com água na cintura, andou até a casa do irmão. O 2º andar já havia sido invadido pelas águas. Não havia ninguém com vida ali. Dois dias depois, Marco Antônio estava no IML improvisado no centro de Teresópolis, reconhecendo a última das vítimas de sua família a ser encontrada. Era a sobrinha mais nova, Raiane, de 6 anos.

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